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O Apocalipse na visão do espírita Morel Felipe Wilkon

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O Apocalipse não é um livro inspirado.

Nenhum tema é tão solicitado pelas pessoas que assistem o meu canal no Youtube como o Apocalipse. Todos os dias alguém me pede para falar do Apocalipse.

Eu não tenho muita coisa a dizer sobre o Apocalipse, por um motivo muito simples: eu não considero o Apocalipse um livro inspirado. Aliás, o Apocalipse só foi adotado como livro canônico, compondo o que nós conhecemos como Novo Testamento, depois de muita relutância por parte de líderes da Igreja.

O Apocalipse, com todo o respeito às pessoas que têm crenças diferentes das minhas, é uma porcaria de livro que só provoca medo e divergências.

Apocalipse é uma palavra grega formada pelo prefixo apo, com o sentido de “afastamento”, e o substantivo kalumna, que quer dizer “véu”. Apocalipse, então, é o afastamento do véu, ou seja, a revelação. Mas, de tanta bobagem que se fala sobre o Apocalipse, essa palavra acabou tomando o sentido de “fim do mundo”.

A tradição diz que o autor do Apocalipse é o apóstolo João. O Evangelho de João, as três epístolas de João e o Apocalipse teriam sido escritos pelo mesmo autor. Não é verdade.

Eu fiz um estudo completo sobre o Evangelho de João. Em parte alguma do Evangelho está escrito que seu autor se chama João, muito menos que este João seria o apóstolo de Jesus.

Como o Evangelho de João é um excelente livro, discutir a sua autoria pode não ser muito relevante. Mas com o Apocalipse é diferente. Logo no primeiro versículo o autor se apresenta como João – mas não diz ser o apóstolo de Jesus nem diz que escreveu outros livros.

Quem se der ao trabalho de estudar o Evangelho e depois ler o Apocalipse não vai ter dúvida alguma de que eles não foram escritos pelo mesmo autor – a não ser, é claro, que a crença dessas pessoas as obriguem a isso.

Os estilos são diferentes, as palavras são diferentes, a temática é diferente, até a visão teológica é diferente.

Eusébio de Cesareia, conhecido como o Pai da História da Igreja, afirma que o autor do Apocalipse é outro João, João o presbítero.

Os espíritas de um modo geral também acreditam que o seu autor seja o apóstolo João. São levados a isso por causa da opinião de alguns espíritos. Há um livro do Robson Pinheiro chamado “Apocalipse: uma visão espírita das profecias”. Edgard Armond também escreveu sobre o tema: “A Hora do Apocalipse” – todos sustentam que ele foi escrito pelo apóstolo João.

Eu respeito esses autores (lembrando que o livro do Robson Pinheiro é psicografado), mas não posso concordar com eles de jeito nenhum.

Nós temos que ter em mente que nos primórdios do Cristianismo já havia várias correntes de pensamento que se diziam seguidoras de Jesus. Isso fica claro numa leitura atenta dos livros que compõe o Novo Testamento.

Assim como hoje há disputas e discussões entre as mais variadas denominações religiosas cristãs, do mesmo modo acontecia nos primórdios. Geralmente nós temos a ideia de que nos primórdios havia aquilo que hoje chamamos de Cristianismo primitivo, em que os apóstolos de Jesus e seus discípulos viviam em harmonia, formando comunidades em que prevalecia o amor e a prática dos ensinos de Jesus. Não foi assim.

– Como eu sei que não foi assim?

Alguns dos chamados Pais da Igreja escreveram profusamente contra o que eles consideravam heresias.

– O que eram essas heresias?

Eram diferentes pensamentos sobre a natureza, o ensino e a prática do ensino de Jesus.

Há, também, muitos manuscritos preservados dessas correntes de pensamento que eram consideradas hereges pelos Pais da Igreja.

Há os livros apócrifos, muitos outros Evangelhos, cartas, atos e Apocalipses.

Mas mesmo se nós ficarmos só com o Novo Testamento é possível perceber que não há isenção por parte dos autores dos livros que compõe o Novo Testamento. No Evangelho de João, por exemplo, nós vemos que João faz questão de diminuir João Batista e Moisés, coloca-se radicalmente contra os judeus e contra os docetas – uma corrente de pensamento cristã que achava que Jesus não tinha vindo com um corpo físico, mas que tinha apenas um corpo de aparência, semelhante ao que os espíritas chamam de corpo astral. Paulo, nas suas epístolas, também combate o que ele considera como desvio do ensino original de Jesus.

Nós temos a ilusão ingênua de achar que as pessoas que adotaram o Cristianismo eram melhores do que as pessoas de hoje. Se hoje há disputas entre os diversos cristianismos e mesmo dentro de cada denominação cristã, por que não haveria naquele tempo?

– Qual é o primeiro objetivo do autor do Apocalipse?

É exercer domínio sobre as sete Igrejas da Ásia e amedrontar aqueles que não pensam como ele.

Isso está claro nos quatro primeiros versículos:

“Revelação de Jesus Cristo, que Deus lhe deu para mostrar aos seus servos as coisas que em breve devem acontecer e que ele, enviando por intermédio do seu anjo, notificou ao seu servo João, o qual atestou a palavra de Deus e o testemunho de Jesus Cristo, quanto a tudo o que viu. Bem-aventurados aqueles que lêem e aqueles que ouvem as palavras da profecia e guardam as coisas nela escritas, pois o tempo está próximo. João, às sete igrejas que se encontram na Ásia (…)” Apocalipse 1:1-4

O autor do Apocalipse diz que quem está dizendo essas coisas é Jesus.

Não pode ser Jesus. O Jesus que nós conhecemos dos Evangelhos não é vingativo como o Deus do Antigo Testamento. E o que nós percebemos nas palavras atribuídas a Jesus é uma personalidade ciumenta e vingativa.

Em 2:6,15, ele critica os nicolaítas. O nicolaísmo era considerado uma heresia. A palavra heresia, originalmente, que dizer “escolha” – herege é aquele que fez uma escolha, ou seja, que optou por um caminho. A corrente de pensamento cristã que mais tarde deu origem à Igreja Católica acusava de heresia, perseguia e difamava todos aqueles que ousavam pensar diferente deles.

O nicolaismo foi criado, provavelmente, por Nicolau, um judeu convertido ao Cristianismo que foi parceiro de Estêvão, conforme nós vemos em Atos 6:5. Eles eram acusados de defender a poligamia ou a prática de ter esposas em comum. Pode ser que isso seja verdade, mas está comprovado que era uma prática comum entre os cristãos que se consideravam ortodoxos (os que mais tarde deram origem à Igreja Católica) fazer acusações falsas e caluniosas contra os hereges que alcançavam alguma posição de destaque entre os cristãos.

Em 2:14 o falso Jesus critica a doutrina de Balaão. Balaão é uma personagem bíblica que aparece no livro de Números, o quarto livro da Bíblia. Balaão era um profeta. Profeta é como eles chamavam os médiuns, na época. Médiuns ou paranormais, ou magos – pessoas que detinham grande poder mental e um relativo conhecimento das coisas espirituais.

Balaão foi contratado por Balaque, rei dos moabitas, para amaldiçoar o povo de Israel. Isso mais de mil anos antes de Jesus. Mas Balaão tinha medo do deus dos israelitas e não os amaldiçoava. Mas Balaque insistiu tanto, e fez tantas ofertas a Balaão até que Balaão achou uma saída: não amaldiçoou o povo de Israel, mas ensinou a Balaque como fazer para os israelitas caírem e perderem a proteção do seu deus.

A ideia de Balaão, que foi colocada em prática e que deu certo, foi colocar os homens israelitas em contato com as mulheres de fora de Israel, que eram mais bonitas do que as mulheres israelitas. Os homens ficaram enlouquecidos por aquelas mulheres, se envolveram com elas, e através delas passaram a adorar outros deuses.

Havia uma grande preocupação nas primeiras décadas do Cristianismo no sentido de preservar a sua Doutrina intacta. O problema é que não havia uma única doutrina. Mas nós notamos em todos os 27 livros que compõe o Novo Testamento esse cuidado. Os maiores perigos eram o sexo com mulheres não cristãs – pois os homens tendiam a se deixar influenciar pelas mulheres e podiam adotar a religião dessas mulheres – e o fato de comer a carne que era oferecida aos ídolos. Os pagãos, de um modo geral, ofereciam sacrifícios animais aos seus deuses. Os judeus também faziam isso, mas não comiam essas carnes. Os romanos e outras comunidades comiam; e os judeus, em contato com essas comunidades, começaram a comer também. Isso foi motivo de grande controvérsia e foi tratado por Paulo em Romanos 14.

É disso que está tratando esse versículo do Apocalipse:

“Tenho, todavia, contra ti algumas coisas, pois que tens aí os que sustentam a doutrina de Balaão, o qual ensinava a Balaque a armar ciladas diante dos filhos de Israel para comerem coisas sacrificadas aos ídolos e praticarem a prostituição.” Apocalipse 2:14

Olha o que o autor do Apocalipse, que usa o nome de Jesus para dizer o que ele pensa, diz para a Igreja de Tiatira:

“Ao anjo da igreja em Tiatira escreve: Estas coisas diz o Filho de Deus, que tem os olhos como chama de fogo e os pés semelhantes ao bronze polido: Conheço as tuas obras, o teu amor, a tua fé, o teu serviço, a tua perseverança e as tuas últimas obras, mais numerosas do que as primeiras.Tenho, porém, contra ti o tolerares que essa mulher, Jezabel, que a si mesma se declara profetisa, não somente ensine, mas ainda seduza os meus servos a praticarem a prostituição e a comerem coisas sacrificadas aos ídolos. Dei-lhe tempo para que se arrependesse; ela, todavia, não quer arrepender-se da sua prostituição. Eis que a prostro de cama, bem como em grande tribulação os que com ela adulteram, caso não se arrependam das obras que ela incita. Matarei os seus filhos, e todas as igrejas conhecerão que eu sou aquele que sonda mentes e corações, e vos darei a cada um segundo as vossas obras.” Apocalipse 18:23

Nós não sabemos se existia realmente uma mulher chamada Jezabel na igreja de Tiatira, ou se o autor está fazendo uma analogia de uma mulher da igreja de Tiatira com a rainha Jezabel do Antigo Testamento.

Jezabel foi uma princesa fenícia que casou com o rei Acabe, rei de Israel. Era uma mulher forte, dominadora, era uma sacerdotisa, e, embora tenha casado com um israelita, ela continuou praticando a sua religião, adorando os seus deuses, os deuses do seu povo. Jezabel foi contemporânea de Elias, que venceu uma disputa com os 450 sacerdotes de Baal, que serviam a Jezabel, e mandou matar todos eles.

A crítica a Jezebel, no Apocalipse, se refere, como eu já disse, a comer coisas sacrificadas aos ídolos e a praticar a prostituição.

Prostituição, no contexto bíblico, não quer dizer, necessariamente, a prostituição sexual, como nós entendemos. O povo de Israel era considerado como a noiva de Deus. Adorar outros deuses era considerado, então, uma traição a Deus. Quem adorava outros deuses estava se prostituindo a esses deuses.

Nós não temos como saber se as acusações que o autor do Apocalipse faz a essas igrejas e a pessoas dessas igrejas são verdadeiras ou não. O que nós sabemos é que há uma farta documentação dos primeiros séculos do Cristianismo que nos mostra claramente que a troca de acusações era algo comum, corriqueiro. Cristãos da época, das mais variadas correntes de pensamento, falavam em nome dos apóstolos de Jesus e até de Jesus. Há muitos manuscritos que sobreviveram ao tempo que se dizem ter sido escritos por algum dos apóstolos ou mesmo a mando de Jesus. Eu, particularmente, acredito que este seja o caso do Apocalipse.

As pessoas mentem para defender as suas crenças. Em todos os lugares. Isso não é por má intenção, pelo contrário. A intenção pode ser das melhores. As pessoas mentem porque acreditam que estão agindo na defesa da causa certa. Se você é espírita, não pense que isso não existe no Espiritismo, porque existe também – e como existe.

Se o autor do Apocalipse não mentiu, ele foi mistificado por um espírito qualquer que se passou por Jesus. Mas certamente não foi Jesus que mandou recado para as igrejas.

Algumas pessoas alegam que a linguagem do Apocalipse é uma linguagem figurada, simbólica, e que as igrejas simbolizam outras coisas.

Não vamos ser tão ingênuos. Eu sou espírita. Então eu publico um livro dizendo que Jesus mandou recado para sete centros espíritas, ou para sete federações espíritas. Todo mundo vai entender que eu estou me reportando a esses centros espíritas ou federações, ninguém vai pensar que isso é linguagem figurada.

Outra coisa: o recado é claro – as coisas eram para acontecer em breve. Alguém pode alegar, então, que o tempo para Deus ou para Jesus é relativo. Eu concordo. Mas não é esse o teor do Apocalipse. O autor está claramente ameaçando algumas igrejas que não se comportam como ele espera que elas se comportem.

– Mas e as visões, e aquele monte de símbolos que ele menciona depois?

Eu não sei e ninguém sabe o que isso quer dizer, se é que quer dizer alguma coisa. O que é certo, e que poucas pessoas sabem, é que apocalipse – ou revelação – era um gênero literário da época. Há outros apocalipses que foram preservados e que se utilizam de linguagem semelhante.

As pessoas da época, que souberam da mensagem desse livro, devem ter ficado com medo, achando que todas essas coisas iriam acontecer realmente em breve. Não aconteceram. Quando se aproximava o ano 1000 muitos cristãos ficaram temerosos. Não aconteceu nada. Depois passou para o ano 2000. Eu me lembro que quando eu era criança muita gente acreditava que o mundo ia acabar no ano 2000. Não acabou. Passou para 2012, por causa do calendário maia. Nada. Agora alguns espíritas esperam grandes mudanças em 2019, por causa de supostas previsões de Chico Xavier.

Esqueça o Apocalipse. Fique com os Evangelhos. A mensagem de Jesus é atemporal, é válida em qualquer tempo. Se colocarmos em prática o ensino de Jesus (o ensino de Jesus, não as teologias que criaram em nome de Jesus) nós viveremos em paz com nós mesmos e uns com os outros.

***

Vamos agora a um exemplo de acusação caluniosa por parte de um cristão:

Epifânio de Salamina foi um bispo que viveu no final do século IV. Ficou conhecido como um dos principais defensores da corrente de pensamento cristão que deu origem à Igreja Católica Apostólica Romana. É o autor do Panarion, uma vasta obra em que ataca dezenas de correntes de pensamento consideradas “heresias”. Uma dessas heresias era um grupo de gnósticos chamados fibionitas.

Epifânio os acusa, com riqueza de detalhes, de praticarem orgias e até canibalismo. Epifânio diz que esse grupo promovia grandes banquetes, que começavam com um aperto de mão entre homens e mulheres, em que os homens secretamente acariciavam a palma das mãos das mulheres. Para Epifânio, isso era um gesto erótico que prenunciava a orgia que aconteceria mais tarde. Acontece, porém, que cumprimentos assim eram utilizados por determinados grupos para avisarem uns aos outros sobre a presença de estranhos.

Ele conta que, depois de muita comida e bebida, os casais se separavam para começar um ritual de relações sexuais, livremente, entre os membros do grupo. A relação sexual não devia ir até o fim, ou seja, o homem não ejaculava na parceira: o sêmem era recolhido em suas mãos para eles o ingerirem dizendo que ele (o sêmem) era o corpo de Cristo. O mesmo faziam com o sangue menstrual da mulher, dizendo que ele era o sangue de Cristo.

Se por acaso a mulher engravidava, eles deixavam o feto se desenvolver, depois provocavam o aborto, desmembravam o feto, o temperavam, passavam mel e comiam num ritual.

Evidentemente, é muito difícil de acreditar nisso. Ainda mais que Epifânio não explica de maneira convincente de que modo tomou conhecimento disso. Ele diz que foi convidado por duas mulheres fibionitas a participar desses rituais, mas que recusou.

É impossível, ao menos para mim, acreditar que, se fosse verdade que os fibionitas praticavam esses rituais, essas mulheres iriam contar todos esses detalhes para ele, um estranho. Epifânio também diz que leu livros dos fibionitas, e cita alguns deles. Mas em nenhum dos livros citados há qualquer menção, nem de longe, a respeito de quaisquer rituais.

Em 1945 foi descoberta a chamada Biblioteca de Nag Hammadi, uma coleção de livros gnósticos, muitos deles contemporâneos de Epifâneo. O que se nota neles, a respeito dos gnósticos, é exatamente o contrário do que Epifâneo tenta passar: em vez de luxúria e depravação, os gnósticos nutriam um quase desprezo pelo corpo físico, pois acreditavam que a verdadeira vida não era aqui, que essa realidade física era o resultado de uma catástrofe cósmica.

Sabemos que acusações desse tipo (embora sem tanto exagero) são comuns até hoje. Todos os dias, nos comentários do meu canal no Youtube, sou chamado de alguma coisa como “servo de satanás”. Fundamentalistas bíblicos acusam os espíritas de servirem ao diabo e outras coisas desse tipo.

Acredito que o autor do Apocalipse, embora de maneira menos grotesca, incorre nesse mesmo tipo de calúnia vulgar. Seja quem for que escreveu o Apocalipse, ele tinha em mente desacreditar completamente as pessoas a quem ele ataca. Para isso se utiliza do nome de Jesus sem nenhum pudor.

Sei como isso pode parecer duro para quem está acostumado a reverenciar o Apocalipse como um livro sagrado. Peço desculpas a essas pessoas, mas sugiro a elas mais estudo e menos crença cega. Que lembrem de Jesus quando disse em Mateus 15:11: que “não é o que entra pela boca o que contamina o homem, mas o que sai da boca”. Não seriam as carnes sacrificadas aos ídolos que contaminariam o homem, mas justamente as maldades que saíram da boca do autor do Apocalipse.

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