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O Evangelho de João tem dois finais

Por que o Evangelho de João tem dois finais? Que interesses moveram os primeiros cristãos a incluírem um segundo epílogo no Evangelho de João?

Este é o tema abordado neste vídeo, o 35º e último desta série de estudos sobre o Evangelho de João.

Este trabalho foi elaborado a partir da análise cuidadosa de mais de uma dúzia de traduções, inclusive em outros idiomas, além da revisão do texto original grego, que nos possibilitou encontrar sentidos muito profundos em ensinamentos aparentemente sem grande importância.

 JOÃO 21

Este capítulo foi acrescentado posteriormente e é aceito como parte integrante do Evangelho. Não temos meios seguros de saber se foi o próprio João quem escreveu este capítulo. Aliás, não temos meios seguros nem de saber se foi realmente João quem escreveu este Evangelho. Mas tudo indica (pelo menos ao nosso ver) que não foi o mesmo autor do Evangelho que escreveu este epílogo.

  1. Depois disto manifestou-se Jesus outra vez aos discípulos junto do mar de Tiberíades; e manifestou-se assim:
  2. Estavam juntos Simão Pedro, e Tomé, chamado Dídimo, e Natanael, que era de Caná da Galiléia, os filhos de Zebedeu, e outros dois dos seus discípulos.
  3. Disse-lhes Simão Pedro: Vou pescar. Dizem-lhe eles: Também nós vamos contigo. Foram, e subiram logo para o barco, e naquela noite nada apanharam.
  4. E, sendo já manhã, Jesus se apresentou na praia, mas os discípulos não conheceram que era Jesus.

Como vimos no capítulo anterior, Jesus não se apresentava com a mesma aparência que tinha quando estava encarnado. Jesus já não tinha o corpo físico, apresentava-se num fenômeno de materialização.

  1. Disse-lhes, pois, Jesus: Filhos, tendes alguma coisa de comer? Responderam-lhe: Não.
  2. E ele lhes disse: Lançai a rede para o lado direito do barco, e achareis. Lançaram-na, pois, e já não a podiam tirar, pela multidão dos peixes.

Este episódio é semelhante à chamada pesca milagrosa, narrada em Lucas 5:1-11. Lá a pesca proporcionada por Jesus é decisiva para que os seus primeiros discípulos passem a segui-lo. Aqui não é diferente, pois parece que os discípulos de Jesus estavam desanimados depois da sua morte.

  1. Então aquele discípulo, a quem Jesus amava, disse a Pedro: É o Senhor. E, quando Simão Pedro ouviu que era o Senhor, cingiu-se com a túnica (porque estava nu) e lançou-se ao mar.

O discípulo a quem Jesus amava, como vimos, é tradicionalmente aceito como sendo o próprio evangelista João. Vemos que ele é o primeiro a reconhecer Jesus, assim como no capítulo anterior ele foi o primeiro a acreditar que Jesus havia ressuscitado.

Mas aqui o papel mais importante cabe a Pedro, que vai em direção a Jesus. Isso pode nos levar à conclusão de que este epílogo não tenha sido escrito pela mesma comunidade de Éfeso a que João pertencia, pois é nítido neste capítulo o propósito de enaltecer a figura de Pedro.

  1. E os outros discípulos foram com o barco (porque não estavam distantes da terra senão quase duzentos côvados), levando a rede cheia de peixes.
  2. Logo que desceram para terra, viram ali brasas, e um peixe posto em cima, e pão.
  3. Disse-lhes Jesus: Trazei dos peixes que agora apanhastes.
  4. Simão Pedro subiu e puxou a rede para terra, cheia de cento e cinqüenta e três grandes peixes e, sendo tantos, não se rompeu a rede.

Não temos como saber de onde surgiu o peixe sobre as brasas e o pão com que Jesus esperava os seus discípulos. Poderíamos tentar explicar isso como um fenômeno de materialização, o que é perfeitamente possível – mas não é isso o que importa aqui.

Percebemos, aqui, uma lição semelhante à que Jesus nos ensinou no episódio conhecido como a multiplicação dos pães, mas desta vez sob outro ângulo.

Lá nós vemos que um menino oferece seus cinco pães e dois peixes e a partir deste oferecimento inicial todos se alimentam – simbolizando que nós devemos contribuir com a nossa pequena parte para que haja a multiplicação dos nossos recursos pela ação do Cristo.

Aqui o Cristo nos oferece o recurso inicial (representado pelo peixe sobre as brasas e o pão) e, seguindo a recomendação do Cristo, encontramos recursos em abundância.

Foi o que aconteceu com os discípulos, que seguiram a recomendação de Jesus, lançaram a rede à direita do barco e apanharam muitos peixes.

  1. Disse-lhes Jesus: Vinde, comei. E nenhum dos discípulos ousava perguntar-lhe: Quem és tu? sabendo que era o Senhor.
  2. Chegou, pois, Jesus, e tomou o pão, e deu-lhes e, semelhantemente o peixe.
  3. E já era a terceira vez que Jesus se manifestava aos seus discípulos, depois de ter ressuscitado dentre os mortos.

Com o episódio da pesca vemos que todo o bem pertence a Deus. Jesus representa o Cristo, o Cristo que habita em todos nós. O Cristo é Deus manifestado. O bem que fazemos não é mérito nosso, é apenas manifestação de Deus. Quando fazemos o bem somos instrumentos de Deus, veículos de manifestação de Deus.

Vimos o trabalho de Deus realizado por intermédio dos homens (representado pela pesca), e essa realização do trabalho de Deus nos leva à comunhão com Deus. O Cristo reparte o pão e o peixe e todos fazem uma refeição em conjunto – representando a comunhão entre nós e o Cristo. Quando todos comem a mesma coisa passam a ter algo em comum, todos têm dentro de si uma mesma substância. A comunhão é exatamente isso – a essência ou substância que temos em comum.

  1. E, depois de terem jantado, disse Jesus a Simão Pedro: Simão, filho de Jonas, amas-me mais do que estes? E ele respondeu: Sim, Senhor, tu sabes que te amo. Disse-lhe: Apascenta os meus cordeiros.
  2. Tornou a dizer-lhe segunda vez: Simão, filho de Jonas, amas-me? Disse-lhe: Sim, Senhor, tu sabes que te amo. Disse-lhe: Apascenta as minhas ovelhas.
  3. Disse-lhe terceira vez: Simão, filho de Jonas, amas-me? Simão entristeceu-se por lhe ter dito terceira vez: Amas-me? E disse-lhe: Senhor, tu sabes tudo; tu sabes que eu te amo. Jesus disse-lhe: Apascenta as minhas ovelhas.

Pedro havia negado Jesus por três vezes, agora reafirma Jesus por três vezes.

Fica claro que este capítulo, que foi acrescentado ao texto do Evangelho, defende a chamada primazia de Pedro. Quando este epílogo foi escrito Pedro já havia morrido há muito tempo. E nesta época, certamente depois do ano 100, o Cristianismo já estava dividido em várias correntes de pensamento, que a esta altura já disputavam entre si. A corrente vencedora, que deu origem à Igreja Católica Apostólica Romana, foi justamente a corrente que defendia Pedro como o fundador da Igreja.

Jesus pergunta a Pedro: “(…) amas-me mais do que estes? (…)” – o pronome demonstrativo touton (τουτων), traduzido como “estes” tanto pode se referir aos outros discípulos ali presentes como pode se referir aos peixes que foram pescados. Neste último caso, Jesus estaria perguntando a Pedro se Pedro gosta mais de Jesus (ou do Cristo representado por Jesus) do que dos bens materiais – já que o peixe era o meio de vida de Pedro, que era pescador. Mas é mais provável que Jesus estivesse se referindo mesmo aos outros discípulos.

Pode causar estranheza que Jesus faça uma pergunta como essa. Mas o fato é que Pedro é quem tinha feito essas comparações no passado, colocando-se acima dos demais, como quando ele diz em Mateus 26:33:

“Ainda que todos se escandalizem em ti, eu nunca me escandalizarei”.

Aqui mesmo, em João 13:37, Pedro diz que colocaria a sua alma sobre Jesus, ou, como normalmente traduzem, “daria a sua vida” por Jesus.

Jesus continua se dirigindo a Pedro:

  1. Na verdade, na verdade te digo que, quando eras mais moço, te cingias a ti mesmo, e andavas por onde querias; mas, quando já fores velho, estenderás as tuas mãos, e outro te cingirá, e te levará para onde tu não queiras.
  2. E disse isto, significando com que morte havia ele de glorificar a Deus. E, dito isto, disse-lhe: Segue-me.

“(…) e te levará para onde tu não queiras” – o tempo do verbo está mal traduzido. O correto é “para onde tu não queres”. Isso faz toda a diferença. Do modo como está, parece que Pedro será levado para algum lugar contra a sua vontade. Mas com o tempo do verbo no presente (como ele está no original grego), essa afirmação de Jesus diz que Pedro será levado para onde ele não quer – para onde ele não quer hoje, mas não que ele não vá querer isso no futuro.

Em quase todas as passagens dos Evangelhos, mesmo que tratem de casos específicos, nós percebemos ensinamentos que são muito mais abrangentes e profundos do que aparentam. É novamente o caso aqui. O sentido material imediato, que seria compreendido pelas pessoas da época, é sobre o modo como Pedro morreu. Diz a tradição que Pedro morreu crucificado de cabeça para baixo, a seu pedido, por não se considerar digno de morrer da mesma maneira que seu mestre Jesus. Mas este é o sentido imediato, material.

O sentido espiritual, mais profundo, trata da morte para as coisas materiais, a vitória sobre a matéria e o poder que a matéria exerce sobre nós. Lembramos que em Mateus 16:23, na primeira vez em que Jesus anunciou aos discípulos o que aconteceria com ele, Pedro tentou dissuadir Jesus, e Jesus disse a Pedro:

“Para trás de mim, Satanás, que me serves de escândalo; porque não compreendes as coisas que são de Deus, mas só as que são dos homens”.

Pedro ainda não tinha condições de compreender que a missão de Jesus era inteiramente espiritual, Pedro só compreendia as coisas materiais, e por isso Jesus chamou Pedro de satanás, pois satanás é exatamente isso – o domínio da matéria sobre o espírito.

“(…) quando eras mais moço, te cingias a ti mesmo (…)” – “cingir” ou “cingir os rins” é apertar o cinto ou mesmo uma corda em torno da cintura para prender as vestimentas. A expressão “cingir” ou “cingir os rins” se refere a estar preparado para o trabalho, pois o homem só desapertava o cinto em torno dos rins para dormir ou descansar.

Quando o espírito é jovem o trabalho que ele faz é por si mesmo. A sua motivação é o seu próprio bem-estar, ele faz o que acha melhor para si mesmo. Mas quando o espírito é mais velho e experiente o seu trabalho já não é só em seu próprio benefício. O espírito vai se tornando instrumento de Deus, veículo de manifestação de Deus, é preparado para o trabalho de Deus, estende as mãos e é conduzido por Deus, pelo Cristo que habita dentro de si.

Hoje, ainda jovem, o espírito não pode sequer imaginar isso, pois não é isso que ele quer. O espírito jovem não quer ser instrumento de Deus, não quer trabalhar em benefício do próximo, não quer anular a sua própria personalidade para manifestar apenas a sua individualidade divina.

“Hoje” ele não quer isso. Mas esse é o destino de todos nós, e é nisso que encontraremos a felicidade plena. Uma criança geralmente não quer uma série de coisas que certamente lhe farão bem no futuro e que ela certamente irá querer no futuro.

Nós ainda agimos como crianças espirituais. Preferimos brincar com nossos jogos infantis de acumular coisas, de disputar força, de chamar a atenção para si. Preferimos brincar do que amadurecer e trabalhar de acordo com as Leis de Deus.

“E disse isto, significando com que morte havia ele de glorificar a Deus. E, dito isto, disse-lhe: Segue-me” – esta morte é a morte para o ego, para o personalismo. Por isso Jesus termina dizendo: “Segue-me”. Esse é o caminho natural de quem segue o Cristo.

  1. E Pedro, voltando-se, viu que o seguia aquele discípulo a quem Jesus amava, e que na ceia se recostara também sobre o seu peito, e que dissera: Senhor, quem é que te há de trair?
  2. Vendo Pedro a este, disse a Jesus: Senhor, e deste que será?
  3. Disse-lhe Jesus: Se eu quero que ele fique até que eu venha, que te importa a ti? Segue-me tu.
  4. Divulgou-se, pois, entre os irmãos este dito, que aquele discípulo não havia de morrer. Jesus, porém, não lhe disse que não morreria, mas: Se eu quero que ele fique até que eu venha, que te importa a ti?

Parece que havia a crença, entre os cristãos da época (ou pelo menos entre uma ou mais correntes do Cristianismo), de que João não morreria antes da “parousia”, que é como chamavam (e chamam ainda hoje) a segunda vinda de Jesus.

Acreditavam que João só morreria depois que Jesus voltasse. Os primeiros cristãos acreditavam que Jesus voltaria em breve. O próprio Paulo acreditava nisso – ou pelo menos deu a entender que acreditava nisso.

Muito provavelmente João já havia morrido e Jesus não tinha voltado. Para que essa corrente cristã não caísse no descrédito, escreveu-se aqui, no versículo 23, que Jesus não disse que ele não morreria.

  1. Este é o discípulo que testifica destas coisas e as escreveu; e sabemos que o seu testemunho é verdadeiro.

“Sabemos”, no plural, parece indicar que não foi o próprio João que escreveu este epílogo.

  1. Há, porém, ainda muitas outras coisas que Jesus fez; e se cada uma das quais fosse escrita, cuido que nem ainda o mundo todo poderia conter os livros que se escrevessem. Amém.

Até hoje se escrevem livros e mais livros sobre Jesus, sem jamais esgotarem o assunto.

Eu agradeço profundamente aos amigos espirituais que me inspiraram neste trabalho, em nome de Deus e de Jesus.

Agradeço à minha família pela compreensão em relação ao tempo despendido neste estudo.

E agradeço a você que tem me acompanhado.

Espíritos que estudam o Evangelho juntos criam vínculos indestrutíveis.

Estamos conectados. Muito obrigado!

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